O Seminário 30 anos de SUS, que SUS para 2030?, promovido pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), discutiu durante dois dias (27 e 28/11) as conquistas do SUS e os desafios para os próximos 11 anos (até 2030), quando os países vão demonstrar se atingiram as metas de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estipuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificadas pelos países membros.
O fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil para o enfrentamento de velhas e novas ameaças à saúde e a necessidade de incremento no investimento público da saúde foram as principais recomendações do Seminário, que foi estruturado a partir das análises publicadas no Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030?, lançado pela OPAS.
No primeiro dia do seminário (27/11), o debate girou em torno do impacto negativo das medidas de austeridade fiscal na saúde da população, com apresentações de estudos científicos realizados em países da Europa que enfrentaram a crise de 2008 com o mesmo remédio adotado pelo Brasil, com cortes de investimentos em políticas sociais como na Saúde. “Os estudos mostram os efeitos negativos das políticas de austeridade fiscal na saúde como o aumento da mortalidade, a piora da saúde mental, aumento de suicídios, por exemplo. Porém em países com menor desenvolvimento, como no caso do Brasil, os efeitos podem ser mais violentos e afetar com mais força as populações mais vulneráveis”, explicou o coordenador da Unidade Técnica de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS, Renato Tasca.
Segundo um estudo da OPAS/OMS, mantendo o ritmo de crescimento econômico normal, o Brasil alcançará a meta de gasto público em saúde de 6% do Produto Interno Bruto (PIB), só em 2068, visto que o gasto público em saúde no Brasil, em 2014, foi cerca de 3,8% do PIB. Uma pesquisa elaborada pela OPAS/OMS no Brasil com atores estratégicos do setor público e privado da saúde mostrou que o há consenso que o SUS é subfinanciado e que precisa de reformas para se tornar sustentável. “As reformas defendidas pelos atores estratégicos são de aspectos operacionais do SUS que não mexeriam nos princípios constitucionais do sistema, como a universalidade. Outro ponto de consenso foi a necessidade de fortalecer os recursos humanos na APS, por meio de uma carreira específica”, explicou o coordenador da pesquisa, o sanitarista e superintendente do Hospital da Criança de Brasília Renilson Rehem.
O fortalecimento das capacidades humanas em saúde para garantir a saúde universal também ganhou um capítulo no Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? e nas discussões do seminário. “Concordo que o campo de Recursos Humanos em Saúde é a pedra angular. No SUS, a área de gestão da política de Trabalho e Educação não pode depender do nível federal, precisa ser distribuída em todos os níveis do país. Garantir à população o acesso universal às ações e serviços de saúde passa pelo fortalecimento da política de RH que não pode ser pensada isoladamente do sistema”, defende a coordenadora técnica de Capacidades Humanas para Saúde da OPAS, Mónica Padilla.
Como exemplo de perfil ideal para profissional médico para APS foi ressaltada a experiência positiva com os médicos cubanos do PMM. “Os médicos cooperados cubanos deixam no SUS muitas experiências, entre elas, de que é possível cumprir 40h na unidade de saúde, de que é possível a integração da equipe médica com demais equipes profissionais da unidade e com a gestão local e de que é possível o relacionamento com cidadão e com a comunidade, entre outras”, afirmou o secretário de saúde de Cametá, no Pará, Charles Tocantins.
APS FORTE
“O documento traz 20 recomendações que servem de guia para qualquer gestor fortalecer a Atenção Primária à Saúde e o SUS. A principal delas é a necessidade de implantar os princípios e os atributos da APS na organização do sistema de saúde para superar a heterogeneidade dos serviços de atenção primária no Brasil. Pelo menos os quatro atributos essenciais da APS devem estar presentes em qualquer ponto da rede. Outra recomendação é investir no modelo da Estratégia Saúde da Família mas com inovações possíveis com o advento das tecnologias de comunicação e informação, para aumentar a resolutividade da APS e permitir mais acesso, com qualidade, para a população”, explica um dos autores do Relatório, o secretário de saúde de Porto Alegre, Erno Harzheim.
“Um dos problemas do SUS é que o percentual do financiamento público em Saúde no Brasil ainda é muito baixo comparado a outros países que optaram por sistemas universais. A situação se agrava ainda mais com a má distribuição dos recursos entre a Atenção Primária e a Atenção Hospitalar, respectivamente 30% e 65%, o inverso de outros países com sistemas similares, o que diminui a iniquidade”, explica o pesquisador da Fiocruz e ex-gestor municipal do Rio de Janeiro, Daniel Soranz. Para ele, outro desafio da APS no Brasil é a escassez de médicos estimulados para atuar na APS. “Apesar de 80% de toda a formação médica se realizar a partir de instituições públicas há um abismo na formação médica com as necessidades de saúde da população”, adverte. “Outros problemas que dificultam o provimento de médicos na APS são a falta de estrutura das unidades de saúde e a inexistência de plano de carreira com remuneração adequada”, pontua Soranz.
A roda de conversa sobre APS, mediada pela jornalista Lígia Formenti, contou ainda com a participação da coordenadora-adjunta do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Erika de Almeida, que pontuou as inovações da nova Política Nacional de Atenção Básica. “As inovações incorporadas à nova PNAB dialogam com as recomendações do Relatório da OPAS para o fortalecimento da APS, como por exemplo, a necessidade de flexibilizar o horário de todos os profissionais da Atenção Básica, a ampliação da carteira de serviços, o papel do gerente da unidade de saúde, entre outros”, explicou Erika de Almeida.
VELHAS E NOVAS AMEAÇAS
O especialista do Instituto Sul-Americano de Governança em Saúde (Isags), Eduardo Hage, um dos autores do capítulo sobre Imunizações no SUS do Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030?, destacou as conquistas na melhoria da saúde da população por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI), nos últimos 40 anos, que reduziu a incidência e a mortalidade de doenças imunopreveníveis, porém alertou para os riscos de retrocesso com as medidas de austeridade fiscal vigente no país, por meio da EC n. 95. “As medidas de ajuste fiscal impactam na renda da população, especialmente, as mais vulneráveis, podem impactar na produção e incorporação de imunobiológicos e podem dificultar o acesso de grupos mais vulneráveis aos serviços do PNI”, explica Hage.
Outro tema bastante debatido no seminário e presente no Relatório 30 anos de SUS, que SUS para 2030? diz respeito à inflexão da queda da mortalidade infantil em 2015 para 2016. Segundo a presidente da Abrasco, Gulnar Azevedo, o aumento da mortalidade infantil ocorreu com maior força no período pós-neonatal. “Mortalidade infantil no período pós-neonatal significa que as crianças estão morrendo devido as causas evitáveis, como as diarreias, que estão relacionadas às precárias condições de vida”, explica Gulnar Azevedo. Para a pesquisadora, é imprescindível a criação de uma rede de monitoramento da situação de saúde para assegurar que alguns sucessos alcançados nestes 30 anos de SUS não retrocedam.
A assessora do Representante da OPAS, Lucimar Rodrigues Cannon, alertou que Brasil ainda precisa avançar nas políticas de proteção social, como o SUS, para alcançar as metas de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que prevê sete óbitos por mil nascidos vivos. “A média da mortalidade infantil no Brasil é de 17 óbitos por mil nascidos vivos, muito maior que a do Chile e da Argentina. A redução da mortalidade infantil depende de bons serviços de atendimento ao parto, desenvolvimento da criança, neonatal, nutricional, um contextos de ações, além de uma grande gestão em saúde”, pontua Cannon.
LEGADO DO SUS E DESAFIOS
“A maior realização destes 30 anos de SUS é ser um sistema universal e gratuito baseado na Atenção Primária à Saúde (APS). O brasileiro identifica o SUS como parte de seus direitos de cidadão e a população vai defender o SUS. Essa é a maior conquista”, afirma o Representante da OPAS no Brasil, Joaquín Molina, durante o seminário de lançamento da publicação, que encerra quarta-feira (28), na sede da OPAS, em Brasília.
Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Ronald Ferreira dos Santos, o legado do SUS é a inclusão do social. “O SUS tirou da indigência alguns milhões de brasileiros que não tinham acesso à saúde. O SUS conseguiu estabelecer, no Brasil, um contrato social colocando em igual condição de cidadania o conjunto da população brasileira. Apesar de, desde sua implantação, ter sofrido com o subfinanciamento, o SUS conseguiu ser referência para o mundo. O cenário dos próximos anos é de muita disputa pela riqueza que é produzida no Brasil e no mundo. O resultado desta disputa vai determinar o cenário que teremos no SUS nos próximos 30 anos”.
O secretário executivo do Conass, Jurandi Frutuoso, defende maior participação da União no financiamento da saúde para ser possível implementar o SUS com efetividade. “Cada ano o governo federal, a União, vem se retirando do financiamento do SUS, sacrificando Estados e Municípios que juntos são responsáveis por mais de 50% dos recursos da Saúde. Precisamos convencer o Congresso Nacional e a sociedade sobre a necessidade de financiamento adequado para o SUS”, defende Frutuoso.
“O legado do SUS é a generosidade. A eficiência do SUS não se mede para contenção de gastos, ainda mais no momento em que novos desafios estão postos, como o Sarampo e a Febre Amarela, devido a baixa cobertura vacinal em alguns bolsões populacionais. Nós temos que dizer para a sociedade que os recursos serão muito bem utilizados para responder a esses desafios”, defende o ex-ministro da Saúde, Agenor Alvares da Silva, atual assessor da Fiocruz.
“Refletir sobre a história é fundamental para apontarmos caminhos para o SUS. E a OPAS, com este seminário, promove essa reflexão. O SUS nasceu em um cenário de crise, de financiamento, de serviço e social, refletir sobre isso é fundamental”, defende Nilo Bretas, coordenador técnico do Conasems.
“A Atenção Primária à Saúde (APS) é uma asssitência muito abrangente por atender a maior parte da população brasileira. O gestor municipal precisa estar amparado pelas evidências científicas para fazer o enfrentamento político”, destacou o secretário municipal de saúde de Campo Grande.
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Fonte: CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Por Vanessa Borges, para o Portal da Inovação em Saúde.