O Programa Nacional de Imunizações (PNI), uma das grandes conquistas da saúde pública brasileira e uma das maiores iniciativas do mundo no gênero, completa 50 anos nesta segunda-feira (18/09/2023). A Fiocruz, que fornece expressiva parcela das vacinas utilizadas nas campanhas do PNI, é parte relevante desta história de êxito desde os primórdios do programa.
A Fundação, além da produção de imunizantes, colabora na formulação de políticas públicas na área, na formação de profissionais e com o conhecimento de seus especialistas. Para o diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Maurício Zuma, “o PNI é garantia de vida para a população. As campanhas de vacinação do PNI diminuíram expressivamente o índice de mortalidade infantil e neonatal e aumentaram a expectativa de vida dos brasileiros ao ofertar vacinas para adultos e idosos. O programa pôs o país no mapa do mundo em relação a imunizações. É uma iniciativa de altíssimo êxito e com imensos resultados positivos”. E para poder ampliar sua oferta de produtos ao PNI, a Fiocruz está construindo uma nova fábrica.
O presidente da Fundação, Mario Moreira, diz que “com o PNI e o Programa Nacional de Autossuficiência em Imunobiológicos o país desenvolveu uma indústria pública e nacional, encabeçada pela Fiocruz, que garante a sustentabilidade e a soberania de todas as estratégias de vacinação da população brasileira”.
Moreira afirma que “a partir do amplo reconhecimento internacional do sucesso do PNI o Brasil tem sido convocado para um esforço global de tornar o acesso a vacinas no mundo menos assimétrico, mais justo e democrático. É muito importante esse chamado e a Fiocruz está engajada nesse esforço mundial, integrando um hub para a produção de vacina contra a Covid-19 na América Latina”.
Maurício Zuma acrescenta que a Fiocruz sempre teve papel importante em todos os programas do Ministério da Saúde (MS) e já fornecia vacinas, soros e produtos antes do PNI. “Antes, no entanto, não havia um programa nacional centralizado. E na Fiocruz a produção era feita em laboratórios diferentes e em escala muito menor. Bio-Manguinhos foi criado, três anos após a formação do PNI, para dar um caráter industrial à produção, além de mais efetividade”. O Instituto surgiu para fortalecer a produção de vacinas e atender às demandas do PNI. Mais tarde, outras linhas de produtos foram incluídas no portfólio, como os biofármacos e os kits para diagnóstico.
A partir do PNI a Fiocruz passou a ter papel cada vez mais crescente no setor. “Até então a maior parte das vacinas usadas no país, sobretudo pediátricas, era fornecida por uma empresa privada. Num determinado momento, por conta dos avanços nas questões regulatórias e devido ao aumento nos custo na produção, a empresa encerrou as atividades, já que para os seus padrões a rentabilidade não era boa. Essa situação gerou uma crise e foi um divisor de águas para o país repensar a natureza da produção de vacinas. Se, até hoje, não há vacina para todo mundo no planeta, na época era ainda mais grave. E o Brasil ficou sem ter onde conseguir os imunizantes. Tinha, mas em quantidades que não eram suficientes. Isso gerou a decisão de investir na produção nacional, em laboratórios públicos, e Bio-Manguinhos e o Instituto Butantan sobressaíram, entre outros”, observa Zuma.
Nas reuniões do MS com representantes de todos os laboratórios públicos eram decididas questões como que instituição entregaria quais vacinas e que novos imunizantes deveriam ser incluídos no calendário nacional, para que houvesse eficiência, mas sem competição. E a Fiocruz passou a ter uma participação bastante relevante no PNI. “Nós também fizemos treinamento de equipes, controle de qualidade, por meio do INCQS [Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz], numa época em que ainda não havia a [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] Anvisa, colaboramos na formulação de políticas públicas, entre outras áreas. Criamos o maior programa público de imunização e a Fiocruz, pela sua diversidade científica e tecnológica, teve grande relevância”, avalia o diretor de Bio-Manguinhos.
Zuma lembra que a Fiocruz foi fundamental nas grandes emergências sanitárias, como na campanha de erradicação da varíola, para a qual houve uma mobilização mundial liderada pela OMS. “A Fiocruz foi um grande ator e participou com milhões de doses. Depois, na epidemia brasileira de meningite, no início da década de 1970, o governo federal assinou um contrato com o Instituto Mérieux para a produção da vacina meningocócica AC aqui no Brasil. Em 1976 a fábrica montada pelo Instituto francês foi doada para a Fiocruz e operada pelo recém criado Bio-Manguinhos. Mais tarde houve as campanhas contra a febre amarela, a pólio, o sarampo e em todas essas ações Bio-Manguinhos teve um papel de destaque. Chegamos a produzir mais de 70 milhões de vacinas contra a febre amarela em um mesmo ano”. Bio-Manguinhos evoluiu de um conjunto de pequenos laboratórios de febre tifoide, cólera, meningite e febre amarela, projetados para pesquisa, para um complexo industrial e tecnológico de imunobiológicos que é hoje um dos mais importantes da América Latina.
Zuma comenta que a Fiocruz tem comprometimento total com o PNI e trabalha intensamente para que o programa consiga pôr em prática suas políticas e ter resultados cada vez mais consistentes e consolidados. “O nosso objetivo é que o PNI seja, cada vez mais, uma referência para o mundo. Apesar de ser apontado pela OMS como o programa de imunização mais exitoso do planeta, ainda falta mais reconhecimento por parte de outros países”.
Ele sublinha que é importante manter o caráter público para que não volte a haver o problema do passado, como o da empresa que descontinuou a produção de vacinas no país. “Temos um compromisso com o SUS, com o PNI e com a saúde da população, em especial na produção daqueles produtos que o mercado não tem interesse em oferecer”.
Em 2022, o Instituto entregou mais de 120 milhões de doses para o PNI. E em 2021 foram mais de 200 milhões, por conta da pandemia de Covid-19. Bio-Manguinhos produz as vacinas DTP e Hib, febre amarela, haemophilus influenzae B, meningite A e C, pneumocócica 10-valente, Covid-19 (recombinante), poliomielite inativada, poliomielite oral, rotavírus humano, tetravalente viral, tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e sarampo e rubéola (atenuada). E, além do PNI, outros 70 países recebem vacinas produzidas na Fiocruz, por meio do fornecimento a organismos internacionais como a Opas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Aliança Internacional para Vacinas e Imunização (Gavi). As mais exportadas são a vacina contra a febre amarela e os imunizantes contra a doença meningocócica. Apesar de Bio-Manguinhos estar se preparando para exportar outras vacinas, vale lembrar que apenas a produção excedente é exportada, devido à priorização do mercado nacional.
“Bio-Manguinhos participa de iniciativas mundiais para escolher alvos e começar a desenvolver novas vacinas. A OMS definirá os alvos, sobretudo vírus que podem surpreender. Também temos discussões com a Universidade de Oxford e com a Opas a respeito de novas vacinas”.
Segundo o diretor, essas instituições percebem em Bio-Manguinhos um grande potencial. “E não só para abastecer o Brasil, mas o mundo. Não podemos mais ter uma situação em que os países ricos pegam todas as vacinas e os pobres ficam sem. A preparação para futuras pandemias exige produtos na prateleira, com vacina desenvolvida pelo menos na fase 2, com segurança e imunogenicidade comprovadas para serem colocadas em produção e usadas”.
Zuma adianta que novos produtos virão. Bio-Manguinhos contribui com estudos clínicos, como o que está sendo validado sobre a vacina de febre amarela. “O PNI nos encomendou um estudo sobre a vacina de sarampo durante o recente aumento do número de casos no país. São ações e pesquisas que subsidiam decisões do PNI. Estamos contribuindo com novas tecnologias de diagnóstico para consolidar um sistema de vigilância mais moderno no MS, o que não é PNI, mas contribui para o PNI”.
Para esses novos projetos, e para a consequente oferta de mais e melhores produtos ao PNI, Bio-Manguinhos está construindo o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (Cibs), em Santa Cruz, na zona Oeste do Rio de Janeiro, visando aumentar a produção e conseguir autossuficiência em imunizantes. “É importante que o PNI tenha rapidamente disponíveis as suas vacinas de grandes demandas, com uma formatação mais econômica. Com Santa Cruz teremos uma capacidade bem maior e ofereceremos as vacinas em outras apresentações. Teremos mais capacidade, com produtos mais customizados, o que permitirá mais escolhas ao PNI e melhor adequação às necessidades do campo”. O empreendimento, em um terreno de 580 mil metros quadrados, possibilitará quadruplicar a capacidade de processamento final de vacinas e biofármacos. A nova fábrica também permitirá que as exportações sejam ampliadas.
O Cibs contará com plataformas que aumentarão o poderio de dar respostas, pemitindo produzir vacinas de mRNA, que podem ser desenvolvidas mais rapidamente e com produção em maior escala. Zuma diz que uma das vacinas que está no radar de Bio-Manguinhos, para futura produção, é o imunizante do vírus sincicial respiratório (VSR). “É um produto de suma importância, já que muitas crianças têm sido acometidas e o MS está interessado. Também buscamos outras vacinas, como para resistência antimicrobiana e zika e ainda vacinas que já produzimos e que passaremos a fabricar usando novas tecnologias. Estamos discutindo uma parceria com o Instituto Butantan, o que fortaleceria bastante o PNI. E há, claro, um grande interesse do PNI que os dois maiores produtores da América Latina trabalhem juntos. Seria um presente ao PNI”, afirma o diretor.
Zuma ressalta que a transferência de tecnologia, que está na origem de Bio-Manguinhos, e ocorre até hoje, não é só cópia. “Aprendemos a inovar e desenvolver, porque o acesso a novos processos e produtos cria novas capacidades. Não existe transferência de tecnologia sem inovação. Quem está cedendo a tecnologia não tem o mesmo ambiente de quem está recebendo, sempre há diferenças e adaptações. O que gera inovação. No caso da vacina contra a Covid-19, nossa parceria com a AstraZeneca provou isso. Quando ainda estávamos discutindo a transferência da vacina verificamos que alguns equipamentos não se encontravam disponíveis no mercado no mundo. Precisamos inovar e usar outros equipamentos e mostramos à AstraZeneca que era possível fazer de outra forma, com o conhecimento que já dispúnhamos. A formulação, por exemplo. Era feita em grandes containers. Usamos os nossos tanques que eram utilizados para outras vacinas e adaptamos com êxito. A apresentação também. Originalmente era em 10 doses. Passamos a fazer em 5 doses e provamos que era possível, técnica e cientificamente. Desenhamos conexões específicas junto com o fabricante e a AstraZeneca. Foi um aprendizado que deixa lições. A AstraZeneca só trabalhou assim com a Fiocruz e por isso conta conosco para futuras parcerias, reconhecendo nossa capacidade. E tudo isso, claro, significa ganhos para o PNI”.
Apesar dos êxitos, Zuma adverte que há um grande desafio para o PNI: a queda nos índices de vacinação nos últimos anos, o que lança alertas de que algumas doenças controladas ou eliminadas no Brasil possam retornar. O negacionismo científico e as fake news sobre vacinas, que abundam na internet, são algumas das causas dessa diminuição na cobertura vacinal, necessária à imunidade coletiva. De acordo com o diretor, “retomar as altas coberturas vacinais é evitar óbitos decorrentes de doenças para as quais já existem vacinas, como ocorreu nos últimos anos com a febre amarela e o sarampo. É otimizar o atendimento hospitalar, liberando leitos. É dar previsibilidade à demanda por vacinas, garantindo o abastecimento necessário ao PNI”. O programa, ao longo de suas cinco décadas, foi responsável pela erradicação da varíola, a eliminação da poliomielite, da rubéola, da síndrome da rubéola congênita e do sarampo.
O assessor científico sênior de Bio-Manguinhos e coordenador do projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, Akira Homma, afirma que, “apesar das conquistas, ou por causa delas, somos vítimas do nosso sucesso, já que muitos se esqueceram ou não sabem como era não ter vacinas que evitam doenças e salvam vidas. Estamos ouvindo os profissionais que estão na ponta para reconquistarmos esses altos índices e informar da importância da prevenção pela população”.
“Na década de 1970 a idade média de vida do brasileiro era de 45 anos. Com a vacinação e milhões de vidas salvas, essa média subiu para 75. Já foi de 77, mas caiu por causa da Covid-19. As vacinas aumentaram a qualidade e a expectativa de vida das pessoas e isso precisa ser sempre enfatizado. Todo cidadão deve ser responsável por levar essa informação adiante”.
O assessor conta que a relação da Fiocruz com o PNI foi sempre tão próxima que a primeira central de armazenamento de vacinas do PNI ficava na Fundação. E na década de 1990 a Fiocruz centralizava as compras do PNI. “Poucos sabem disso. A Fiocruz participou diretamente e por isso ocupava esses papéis essenciais”.
Homma, que está na Fiocruz desde 1968, reforça que a Fiocruz está seguindo uma missão deixada pelo patrono Oswaldo Cruz, que foi a de desenvolver soros e vacinas para proteção contra pandemias e epidemias. “Oswaldo Cruz, no início do século 20, deixou clara a importância da vacinação para a prevenção de doenças. O Instituto Soroterápico Federal [embrião da atual Fiocruz] foi criado para combater a peste, a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro”.
Com as campanhas de Oswaldo Cruz houve uma primeira grande conquista, com a vacinação em massa contra a varíola. À medida que os resultados positivos da imunização apareceram, como a diminuição da transmissão e do número de mortes associadas, a população passou a confiar mais nas vacinas. Em 1903, quando Oswaldo Cruz assumiu o cargo de diretor-geral de Saúde Pública, época em que não havia o Ministério da Saúde, criado em 1953, ele teve que lidar com duas grandes epidemias: a da febre amarela e a da varíola.
Homma afirma que “o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que tem capacitação e competência científica e tecnológica, além de capacidade industrial e de produção para oferecer as vacinas que sua população necessita. Uma capacidade que atualmente está no limite, por isso a construção do Cibs, para dar mais segurança na oferta ao PNI”.
Considerado um dos maiores especialistas do mundo em vacinas, Homma diz que o Brasil tem que investir muito mais. “Precisa investir mais em ciência, em pesquisa básica, em tecnologia, em startups. Temos que desenvolver vacina contra HIV, malária, VSR, contra doenças entéricas. Precisamos desenvolver novas vacinas, com vários antígenos juntos, para diminuir as injeções. São grandes desafios. Novas tecnologias surgem, como as vacinas recombinantes, as quiméricas, as de RNA mensageiro. Precisamos avançar para obtermos adjuvantes melhores, que permitam uma proteção maior e uma imunidade mais duradoura, sem reações adversas. Com menos injeções e mais proteção contra mais doenças. Todas essas tecnologias, um dia, servirão ao PNI”.
O projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais criou uma rede de colaboração interinstitucional, envolvendo atores nacionais e internacionais dos setores governamental, não governamental e privado, em torno da melhoria da cobertura vacinal. Estão sendo implementadas ações de apoio estratégico ao PNI para reverter a trajetória de queda nas coberturas vacinais dos Calendários Nacionais de Vacinação – da Criança, do Adolescente, do Adulto e ldoso, da Gestante e dos Povos Indígenas e, assim, assegurar o controle de doenças imunopreveníveis como o sarampo, a poliomielite, a gripe, o câncer de colo do útero, meningites e todas as outras cujas vacinas são disponibilizadas gratuitamente para a população, nos postos de saúde.
O projeto é organizado em três eixos temáticos com atuação compartilhada e ações específicas: vacinação; sistemas de informação; comunicação e educação. A iniciativa é coordenada por Bio-Manguinhos, em parceria com o Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias – Texto: Ricardo Valverde